Depois da tempestade judicial marcada pela sentença pesada dos 17 revús – de dois a oito anos de prisão firme, graças ao talento acrobático do juiz Januário, Ministério Público e outros magistrados, o Carnaval judiciário prossegue ainda hoje numa demonstração exemplar do zelo posto ao serviço dos interesses de quem está no poder.
Por António Setas
Para muitos observadores e analistas, angolanos e não angolanos, esses defensores da Constituição e outras leis angolanas, não se comportaram bem, atropelaram alegremente o Direito e a Justiça não funcionou, pois comportaram-se “como carrascos”.
Como prova, atente-se ao veredicto inacreditável que encerrou o caso do Monte Sumé – 28 anos de prisão para o réu principal, Jose Kalupeteka, líder da seita A Luz do Mundo, uma sentença superior em 4 anos ao que está previsto no Código Penal Angola, mesmo depois de ter sido provado em tribunal que José Kalupeteka tinha fugido do Monte Sume antes do início da chacina sem participar na reacção dos seus seguidores à operação de represálias levada a cabo por tropas governamentais, que teria provocado cerca de mil mortos (Le Monde Afrique,07 / 04/16).
Esta justiça sumária, que não respeita regras processuais e viola descaradamente o que está escrito nos códigos de Direito, apresenta-se, neste exemplo, como mais uma prova de que os tribunais angolanos, especialistas em ficções autenticadas e legalizadas em cima do joelho, são capazes de inventar situações fictícias desde que isso seja necessário para fazer valer os interesses do regime.
Os exemplos são mais do que as “mães”
Há inúmeros exemplos: entre outros, o famoso julgamento de Fernado Miala, chefe da polícia secreta, acusado em 2006, sem fundamento, de tentativa de golpe de Estado, ao qual devem ser adicionados os numerosos casos de jornalistas torturados, perseguidos e alguns deles assassinados isto sem esquecer outros casos inadmissíveis, como o de Marcos Mavungo, condenado em 2015 a 4 anos de prisão por ter ousado pedir a permissão para realizar uma manifestação pacífica nas ruas de Cabinda!
Alguns juízes, como José Sequeira, enveredaram francamente pelo surrealismo. Recentemente, ele ordenou a prisão de um cadáver… A esposa do falecido, que estava envolvida com o seu falecido marido numa situação familiar delicada de quebra de confiança em um caso de herança, apareceu diante do juiz com o certificado de morte do esposo.
O resultado do seu gesto ultrapassa os limites da credibilidade desta justiça e do respeito de que ela devia ser alvo. No dia 8 de Abril, o juiz designado fez entrega à viúva de um documento igual ao primeiro que lhe fora enviado. Em Angola, a morte não é motivo suficiente para escapar à ira da justiça.
Os vivos não estão em melhor situação e alguns podem morrer na prisão por causa da lentidão da administração. No seu site Maka Angola, o jornalista Rafael Marques publica regularmente um inventário de exemplos das mais loucas situações imagináveis, dignas do Guinness Book of Records.
O caso mais recente diz respeito a Domingos Manuel Filipe Catete, 32 anos, preso desde 16 de Maio de 2008. O seu crime? Foi preso quando estava a dormir, bêbado como um cacho, dentro duma viatura que não era dele. Durante oito anos em preventiva, ainda aguarda julgamento… A intervenção de Rafael Marques junto do comando da Polícia Nacional, até agora, ficou sem resposta.
Este caso não é isolado. Muitos ladrões de galinhas e limões estão presos nas fedorentas celas das prisões de Angola. Aqui a seguir damos mais um exemplo: dois outros homens, suspeitos de terem “roubado roupas usadas” passaram, respectivamente, sete e cinco anos de prisão, mas desta vez a denúncia apresentada pelo website Maka Angola funcionou: eles foram soltos.
As incríveis falhas do presidente
No que diz respeito à comunicação administrativa da Presidência angolana, encontramo-nos também em face de um excelente desempenho em termos de absurdo: em Maio de 2015, o Presidente dos Santos (JES) assinou o Decreto nº 101/15, estipulando a nomeação de um alto funcionário da Polícia Nacional, o vice-comissário Andrew Kiala.
O problema que então se levantou foi um facto indesmentível, o homem já estava morto… o que não impediu o presidente, alguns dias mais tarde, de orientar o seu ministro no sentido de organizar a cerimónia de posse do falecido. Como este, por uma boa razão, não pôde comparecer, não foi sancionado…
Alguns meses antes, em Janeiro de 2014, foi apresentado com a assinatura do presidente, um decreto administrativo que concedeu a patente de brigadeiro a António Vieira Lopes “Tó”, ex-delegado do SINSE, nome dado então à nossa Polícia Secreta, numa altura em que o feliz promovido por decreto presidencial se encontrava preso, em vias de responder em tribunal pelos crimes cometidos sobre Kamulingue e Cassule, dois oficiais da UGP assassinados pelas autoridades angolanas, em Maio de 2012.
O presidente Dos Santos ordenou uma investigação para entender como esta promoção tinha chegado à sua mesa num momento em que um julgamento por homicídio ocorria contra o candidato promovível, Coronel Vieira Lopes “Tó”. Os resultados da pesquisa nunca foram publicados.
Mais recentemente, a 2 de Abril do ano em curso, Dos Santos nomeou um novo Secretário de Estado do Comércio, Joaquim Pedro Jaime Fortuna, sem ter anunciado a demissão do seu antecessor, Álvaro Augusto Soares Paixão Júnior. Esta “falha de comunicação” benigna foi corrigida quatro dias depois pelo anúncio da anulação do Secretário de Estado anterior.
E Angola continuou a avançar a passos de caranguejo rumo a uma democracia, que, mesmo cheia de imperfeições já seria muito bom para a esmagadora maioria dos angolanos!